O Fio da Xilo
A exposição O Fio da Xilo é um resultado/desdobramento do projeto homônimo que o Grupo XICRA da região do Cariri realizou em parceria com o projeto Artista em Viagem (Yili Rojas + Isaumir Nascimento), compartilhando conhecimentos sobre uma gráfica ligada à tradição do cordel que se vincula a uma prática de trabalho coletivo e de intervenção urbana com xilogravura para jovens das cidades de São Paulo – SP e Crato – CE.
* Na abertura da exposição foi lançado o Livro O Fio da Xilo, onde ocorreu a entrega simbólica de livros para representantes de escolas públicas e bibliotecas do município.
** Para saber +: http://fiodaxilo.blogspot.com.br/2012_02_01_archive.html
Ocupação Gráfica
Xicra = Carlos Henrique + Adriano Brito + Franklin Lacerda
Sobre xícaras e xicras.
Na literatura até lhe pode encontrar como “xícara”, mas ali, na cotidianidade – que é onde as coisas ganham seu verdadeiro nome – o que se ouve dizer é “xicra”. Todos sabem que nos referimos aquele objeto que pode ser de porcelana, plástico ou de outros materiais, que tem uma orelha lateral pela qual o sujeitamos e que nos serve para levar bebidas até a boca. Geralmente a xicra vem acompanhada pelo pires, mas pode vir também sem, isso depende do gosto e possibilidades de cada um.
Uma xicra – ou xícara – com ou sem pires, pode estar vazia, guardada, escondida numa estante fechada para não correr o risco de se quebrar, ou pelo contrário, está em pleno uso, cheia, transbordante, esperando constantemente para ser preenchida e para logo depois ser esvaziada. Falando mais tecnicamente podemos dizer que a xicra é um meio, uma solução para o transporte de fluídos, de substâncias bebíveis que não podem ser de outra forma sujeitas, como um café quente ou um chá de ervas. Fisicamente o que vir a ser ingerido graças a ação da xicra dentro de nós se transformará, enquanto que nos transformará também.
Cercado de tanta complexidade uma “xicra” não é um objeto qualquer.
Um grupo de artistas do Crato disposto a experimentar no campo da xilogravura adotou como nome XICRA. Talvez não tendo pensado num primeiro momento no que significaria se chamar desse jeito eles pegaram as duas primeiras sílabas de Xilógrafos do Crato e compuseram outra palavra, esta curta e lúdica que levava a uma associação aparentemente desvinculada das vicissitudes com que muitos encaram a chamada arte. Como marca adotaram uma xicra (xícara) colocada numa prensa de gravura horizontal e munidos do conhecimento tradicional da xilogravura regional, da que são herdeiros, saíram do lugar de conforto – a estante protetora – para ampliar, ao encontro com outros artistas e espaços como o da rua, suas fronteiras gráficas.
Esses artistas, que como grupo adotaram o nome XICRA, se tornaram eles mesmos verdadeiras xicras, sendo cada um recipiente que permite que conhecimento fluído e vivo lhes preencha e chegue até outros. Eles repassam através das suas intervenções e imagens o que veem, o que conhecem, o que aprendem, o que vivenciam na prática gráfica e coletiva. Transbordantes de experiência dividem sem nenhuma resistência o seu conteúdo com outros. Eles confiam e por isso se dispõem também a receber no exercício contínuo e horizontal da troca de saberes. O Grupo XICRA não se esvazia e para que isso aconteça é necessário desprendimento e ao mesmo tempo é necessário que se tenha uma grande sede, uma vontade cada vez maior de provar e de possibilitar que outros também provem.
O conhecimento contido na xicra não pode se esfriar, perder a graça, se tornar um caldo empoeirado, por isto ele tem que circular. É exatamente essa circulação o que acontece nesta Ocupação Gráfica.
Artista plástica, curadora e parceira do Grupo XICRA
Berlin, 12 de junho de 2012
Em março de 2009 empreendi uma viagem ao lado de Isaumir Nascimento. A viagem seria principalmente acerca das tarefas de uma pesquisa técnica (para mim, sobre procedimentos gráficos) e sobre a produção artística em trânsito. Percorremos inicialmente seis estados do Norte e Nordeste brasileiros, indo de São Paulo ao Sul do Ceará e dali em diante por um caminho que culminou com aestada na Ilha de Marajó, no Pará. A viagem resultou numa farta produção poética e documental. Depois de toda essa movimentação e ainda por algum tempo, o nomadismo como estratégia artística se tornou uma prática constante, determinando – ao menos por agora – nossa chegada a Berlim.
O percurso tracejado empreendido passou a existir somente pelo apoio da rede de artistas que foi sendo construída. Considero essa rede um forte aspecto de minha ação artística e um dos temas de meu trabalho.
A produção pessoal realizada em trânsito e a rede criada tem propiciado para muitos dos envolvidos arealização de outros projetos, outras viagens, outras obras e outras formas de pensar e vivenciar territórios. Os desdobramentos tem sido diversos, como diversos são os encontros possibilitados entre os participantes que, de outra forma, talvez não se reencontrassem jamais.
Irving Herrera, artista de Oaxaca (México) e o Grupo XICRA do Crato (Ceará) são duas das partes deste projeto expositivo com as quais me mantenho num vivo diálogo triangular. E apresento com eles este comentário visual no formato viagem de artista.
Yili Rojas
http://www.centrocultural.sp.gov.br/CCSP+_saiba_mais_mostra_foto.html#topo